Por Dados pela Saúde |

Com população mais velha, Brasil registra aumento de 72% nas mortes por câncer nos últimos 25 anos

Tabaco, obesidade e alimentação inadequada são principais fatores de risco; médicos reforçam importância de campanhas preventivas para diminuir a letalidade 

 

Por Talita Fernandes

 

Com incidência maior na terceira idade, o câncer tem matado cada vez mais no Brasil nas últimas décadas. Números do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, disponibilizados na plataforma Dados pela Saúde mostram que os óbitos provocados por tumores no país passaram de 101.907 em 1996 para 228.848 em 2021. Se calculada a taxa de óbitos por câncer pela população, o índice passou de 61,91 óbitos por 100 mil habitantes para 106,24 no período de 25 anos analisado, uma alta de 72,7%. Os cinco tipos de câncer que mais fazem vítimas no Brasil são pulmões e brônquios, mama, próstata, estômago e intestino grosso (cólon).  

De forma geral, o aumento percebido nos números de óbitos é explicado principalmente pelo envelhecimento da população. A expectativa de vida média do brasileiro passou de 68,9 anos em 1996 para 77 anos em 2021. Como o câncer é uma doença mais comum na terceira idade, o fato de os brasileiros estarem vivendo mais ajuda explicar o aumento da mortalidade pela doença. Isso porque, com o envelhecimento celular, há maior risco de mutações que podem levar ao aparecimento de um câncer. Além disso, o período de exposição a fatores que aumentam o risco de tumores, como o cigarro, é maior entre os que viveram mais anos. 

Os principais fatores de risco para os cânceres mais comuns são o tabagismo, o alcoolismo, a obesidade e uma alimentação não saudável, além de predisposição genética. Indivíduos de baixa renda têm um fator de risco extra para a mortalidade pela doença por terem mais dificuldades de acesso ao sistema de saúde, o que pode atrasar diagnósticos e tratamentos. A melhor forma de evitar ao menos parte dessas mortes, de acordo com especialistas, é uma combinação de políticas públicas direcionadas para cada região ou estado, combinada com maior rastreamento preventivo da doença e com a adoção de hábitos de vida mais saudáveis. 

“Uma das causas (do aumento de mortalidade) é, com certeza, o envelhecimento da população. A população está envelhecendo porque está vivendo mais. Câncer é uma doença que costuma aparecer na terceira idade. Outro fator que pode explicar é o melhor sistema de informação. Não se investigava e não se reportava (as mortes por câncer) tão bem porque não se sabia. Com a informatização, se consegue melhorar também isso. Existe uma mudança no perfil dos pacientes, mas existe também uma mudança na coleta de dados”, afirma Oren Smaletz, oncologista clínico do Hospital Israelita Albert Einstein. 

 

Diferenças regionais 

Fatores regionais como renda, acesso ao sistema de saúde, hábitos alimentares e idade podem, contudo, levar a dados bastante distintos a depender da unidade da federação. Um exemplo é o fato de o câncer que mais provoca mortes no país desde 1996 — de brônquios e pulmões — não figurar no topo da lista em seis estados. Amazonas, Amapá e Pará têm no tumor de estômago a variação mais letal. “O câncer de estômago ainda é muito prevalente no Norte e no Nordeste, provavelmente isso tem a ver com a alimentação e com conservação de alimentos”, explica Smaletz. 

De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), as principais causas desse tipo de tumor, também chamado de câncer gástrico, estão ligadas principalmente a hábitos alimentares. O consumo de produtos conservados em sal, por exemplo, são vistos como um dos causadores da doença. Essa é uma forma de preservação de alimentos em algumas culturas ou regiões — como estados do Norte e do Nordeste —, o que influencia na incidência da doença. Uma dieta pobre em frutas, vegetais e fibra integral também pesa para o desenvolvimento desse tipo de tumor, além de consumo elevado de álcool e tabaco e da obesidade.  

Mas não é apenas a alimentação que pode causar as formas mais letais do câncer de estômago. Fatores genéticos e exposição a determinados produtos químicos por questões laborais também são vistos como possíveis influenciadores para o desenvolvimento da enfermidade. A produção da borracha — na qual o trabalhador fica exposto a compostos reconhecidamente cancerígenos como benzeno, óleos minerais e produtos de alcatrão de hulha — é considerada um fator de risco. Além disso, a infecção pela bactéria Helicobacter pylori (H. pylori) pode levar ao surgimento do tumor. 

Nesse caso do câncer de estômago, por exemplo, Smaletz cita o caso do Japão, onde são feitos rastreamentos contínuos e em massa para detectar com antecedência este tipo de tumor. No caso do país oriental, o elevado consumo de alimentos conservados em sal é visto como um possível causador da doença.  

Ao comentar esse exemplo, o médico destaca a importância de os países terem dados atualizados sobre a incidência e a mortalidade por câncer, levando em conta questões regionalizadas. Isso pode ajudar a dar um melhor direcionamento em políticas públicas para tratamento e prevenção. “Sabendo exatamente onde estão os cânceres mais incidentes ou os que têm maior taxa de mortalidade é que uma saúde pública pode ser bem direcionada. Isso pode variar de região para região. O Brasil é um país continental. Em algumas regiões, talvez tenha que se focar mais em alguns tumores do que em outras.” 

Uma análise detalhada sobre diferenças regionais no Brasil permite perceber algumas diferenças consideráveis de um local para outro. O câncer de colo de útero — considerado 100% prevenível — figura entre os cinco mais letais em sete estados da federação, todos nas regiões Norte e Nordeste: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Pará, Roraima e Tocantins. Porém, nas demais unidades da federação, esse tipo de tumor sequer aparece entre os cinco mais letais.  

O câncer de cólo de útero está associado ao contágio pelo vírus do HPV, bastante comum na população mundial. Porém, nem toda infecção e contato com o vírus resulta em tumores. Além de provocar lesões no colo do útero, o vírus pode ocasionar câncer de ânus, pênis, cabeça e pescoço, por exemplo. Dos mais de 100 subtipos do vírus, dois são considerados os mais cancerígenos e a proteção contra eles pode ser feita por meio de uma vacina que está disponível nas redes pública e privada de saúde do país. A imunização contra quatro subtipos de HPV no Brasil é hoje feita de forma gratuita para meninos e meninas entre 9 e 14 anos e para pacientes imunossuprimidos até 45 anos. Já pessoas fora dessa janela, mas que tenham até 45 anos, podem se vacinar na rede privada. 

Como a vacinação começou no sistema público somente em 2013, a maior parte das mulheres adultas não foi imunizada, mas o tumor de colo de útero pode ser evitado por meio do acompanhamento periódico com o exame preventivo Papanicolau, capaz de identificar lesões no órgão antes que elas se tornem malignas. 

De acordo com a ginecologista Gabriela Pravatta Rezende, membro da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), o protocolo do Ministério da Saúde no Brasil é para realização do exame em todas as mulheres a partir dos 25 anos, com repetição do teste no ano seguinte. Dois resultados normais consecutivos podem levar a um intervalo de três anos para a próxima coleta. 

Ela explica a necessidade de acompanhamento preventivo pelo fato de o câncer de colo de útero ser, na maioria das vezes, assintomático. “Ele passa a ter mais sintomas somente em fases mais avançadas. O mais comum é haver corrimento vaginal muito diferente, com odor fétido. Outro sintoma é sangramento uterino anormal e dor pélvica. Esses são os mais comuns, lembrando que, em estágios iniciais, a doença é silenciosa e por isso é importante o rastreamento.”  

De acordo com os médicos, a combinação de políticas públicas que foquem numa vacinação em massa com o rastreamento da doença pode evitar 100% dos casos. O oncologista e membro da Sociedade Brasileira de Oncologia William Fuzita defende que é preciso pôr fim ao estigma em torno do câncer de colo de útero. Para ele, existe uma visão machista que é replicada por alguns profissionais de que a doença está ligada a um comportamento promíscuo da mulher. “O que denota a doença é a diferença socioeconômica. Entre as mulheres mais carentes, há maior incidência de câncer de colo de útero. É claro que a gente vê a doença distribuída em todas as classes, mas obviamente a classe mais carente tem mais dificuldade (de diagnóstico e tratamento)”, explica. 

Radicado no estado do Amazonas, Fuzita diz que os fatores socioeconômicos da região Norte mostram uma discrepância grande em relação a outras partes do país. Além da diferença de renda e do acesso mais precário à saúde, o médico acrescenta que o fato de a população amazonense — e na região Norte como um todo — ser mais jovem do que a média brasileira ajuda a explicar porque o câncer de colo de útero de sobrepõe a outros tipos de tumores. Como o câncer de colo de útero está ligado ao HPV, transmitido no ato sexual, ele é mais comum em populações em populações com vida sexual mais ativa.  

Fuzita lamenta a alta letalidade na região Norte por esse tipo de tumor e diz que isso pode ser evitado se houver uma política pública consistente. “É 100% evitável, mas temos mais mortes de tumor de colo de útero do que de câncer de mama e de próstata, que são tumores que não conseguimos evitar, somente diagnosticar precocemente.” Ele acrescenta ainda que é preciso aumentar a cultura de exames preventivos no país e, em especial, no Amazonas. 

  

Tabagismo é principal fator de risco para câncer que mais mata 

Líder em número de óbitos por tumor, o câncer de pulmão e brônquios está altamente ligado ao tabagismo. Smaletz explica que, mesmo que estudos recentes tenham começado a associar a poluição das cidades à incidência desse tipo de tumor, ele ainda é majoritariamente provocado pelo consumo de tabaco. “O cigarro é ainda o fator mais importante para os vários tipos de tumores. Se pudéssemos fazer uma campanha cigarro zero, com certeza diminuiria muito a morte por câncer de pulmão”, explica.  

Fuzita diz que a realização de uma tomografia simples, sem necessidade de contraste, pode identificar a doença ainda em estágios iniciais. “Na tomografia pode-se enxergar tudo. Infelizmente, por falta disso (hábito de rastreamento) se diagnostica de forma muito tardia. Às vezes não se consegue fazer tratamentos curativos. A grande maioria dos tumores identificados são irressecáveis, ou seja, não podem ser operados.” 

Smaletz acrescenta que, apesar das campanhas antitabagismo e da diminuição do número de fumantes no país nos últimos anos, ainda vai levar muito tempo para que isso se reflita numa queda da mortalidade. “Se a pessoa parar de fumar hoje, ela só vai igualar o risco de quem nunca fumou daqui a 15 anos. Precisamos diagnosticar mais precocemente. Existe a tomografia de tórax anual para pacientes tabagistas para diagnosticar mais precocemente. Isso não é muito difundido, então o diagnóstico acaba ocorrendo tardiamente.” 

Os médicos enfatizam que é preciso diferenciar os tipos de câncer que são mais incidentes daqueles que são mais letais. Smaletz, por exemplo, diz que os tumores de pele não-melanoma são os mais frequentes, mas, por representarem baixa letalidade, não são os que mais preocupam. Já para explicar os motivos que levam tumores como os de pulmão, mama, próstata, estômago e cólon (intestino grosso) estarem entre os que, respectivamente, mais provocam mortes, ele fala que, além da alta incidência, são os que podem provocar metástases. 

Por isso, o oncologista diz que o foco para esses tipos de doença tem de ser a descoberta precoce por meio de rastreamentos contínuos, sobretudo em regiões com maior incidência ou em pessoas que já apresentam algum tipo de pré-disposição para o desenvolvimento das doenças. “É preciso descobrir precocemente, isso melhora as chances do paciente e diminui risco de morte”, diz. 

Ao comentar sobre as formas de evitar mortalidade por essas doenças, Fuzita diferencia esses cinco tipos de câncer que mais matam no país. Ele explica que, enquanto os tumores de pulmão, estômago e intestino grosso podem, na maioria das vezes, ser evitados por meio da adoção de melhores hábitos de vida, os cânceres de mama e próstata são mais difíceis de se prevenir apenas com essas mudanças. Por isso, nesses dois últimos casos, campanhas como o Outubro Rosa (mama) e Novembro Azul (próstata) são de extrema importância para reforçar a necessidade dos exames.  

Em novembro de 2022, o Inca lançou as estimativas de casos de câncer para os próximos três anos, de 2023 a 2025. Segundo o instituto, o Brasil deverá ter 704 mil casos novos da doença por ano no período. O órgão informa ainda que as regiões Sul e Sudeste — onde a expectativa de vida é mais elevada — concentrarão cerca de 70% da incidência desses tumores.  

O levantamento do órgão traz as estimativas das ocorrências para 21 tipos de câncer mais incidentes no Brasil. Na versão para 2023, o instituto passou a acrescentar estimativas para os tumores de pâncreas e fígado, considerados de alta letalidade e em crescimento no país. Segundo o Inca, enquanto o tumor de pâncreas está entre os dez mais incidentes na região Sul, o de fígado está entre os dez primeiros na região Norte. O tumor do pâncreas está ligado a fatores hereditários, obesidade e tabagismo. Já o tumor no fígado é ligado a doenças hepáticas, como a cirrose, provocada por alcoolismo ou pelo vírus causador da hepatite B ou C. 

Dados por perfil

Preencha um formulário abaixo e compare seu perfil

Nascimentos

Busque o número de nascimentos por idade da mãe, estado e tipo de parto

Mortalidade

Conheça as principais causas de morte em um determinado perfil e saiba mais sobre elas